quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Sagrado Coração da Terra - Sugestão Ana Rabela e Franciele

Primeira formação da banda

O maior nome do rock progressivo brasileiro, o Sagrado Coração da Terra, mais um projeto pessoal do líder Marcus Viana que banda, estréia em 1984 com ótimo LP independente que construiria boa reputação junto ao público no exterior (Japão em particular, onde os LPs seriam relançados em CD antes do Brasil). Viana, com passagem por outros grupos progressivos (com o efêmero Saecula Seculorum), teria alguma participações dignas de nota (como a ótima faixa "Jardim das Delícias", do LP "Nascente", de Flávio Venturini, que ajuda nos coros no primeiro LP do Sagrado) em trabalhos de outros artistas e na composição de trilhas-sonoras para TV (como as da minisséries "Pantanal", e "O Canto das Sereias", da Rede Manchete, além do tema de abertura da novela "Que Rei Sou Eu?" da Rede Globo, extraído do LP "Flecha"). Viana lançaria também álbuns-solo paralelamente às atividades da banda.
Depois de "Flecha", ainda pela Arteciência, e "Farol da Liberdade" (com alguns temas das citadas minisséries), já pelo seu próprio selo Sonhos & Sons, o Sagrado editaria seu quarto trabalho com Viana, Augusto Rennó (violão e guitarra), Ivan Correia (baixo), Lincoln Cheib (bateria) e Bauxita (vocal): o CD Grande Espírito de 1994 – é esse o álbum que posso copiar pra quem se interessar em conhecer o trabalho do Sagrado.

Guitarristas
Alexandre Lopes, Chico Amaral, Fernando Campos, Augusto Rennó, Alysson Lima

Baixistas
Edson Plá, Mauriti, Jiló, Caio Guimarães, Ivan Correia, Alysson Lima, Gauguin, Paulinho Carvalho

Bateristas
Zé Arthur, Porquinho (Sérgio Viana), Zé Luís, Marco Antonio Botelho, Nenem, João Guimarães, Lincoln Cheib, Limão (André Queiroz), Mário Castelo, Eduardo Campos

Tecladistas
Cristiana Ramos, Inês Brando, Ronaldo Pellicano, Lincoln Meirelles, Zé Marcos, Giácomo Lombardi

Vocalistas
Marcus Viana, Vanessa Falabella, Carla Villar, Rosani Reis, Paula Santoro, Bauxita, Paula Vargas, Rosina Minari

DISCOGRAFIA
Sagrado (1985)
Flecha (1987)
Farol da liberdade (1991)
Grande espírito (1994)
A leste do sol, oeste da lua (2000)
Sacred heart of heart
Coletânea I - Canções
Coletânea II - Instrumental

Abaixo colocamos dois textos escritos por Marcus Viana em 1979, ano da criação da banda. Eles representam bem as opções ideológicas desse trabalho, característica que podemos perceber claramente em suas composições, no CD Grande Espírito inclusive.

O SIGNIFICADO CULTURAL DO TRABALHO DO SAGRADO CORAÇÃO DA TERRA

Trabalhando com instrumentos eletro-acústicos e herdeiro de uma forte tradição erudita, a música do Sagrado Coração da Terra evoca a atmosfera barroca das montanhas de Minas.

Mesmo assim seria impossível enquadrá-la como regional. É uma viagem pelo tempo e pelo espaço às origens e ao futuro de toda experiência musical humana.

Os instrumentos são os usados na tradição clássica: a guitarra, o piano e o violino, porém tratados eletronicamente; uma nova linguagem, o som dos nossos tempos.

O efeito que uma orquestra causava numa platéia do século XIX não nos atinge da mesma maneira: nossa audição está duramente comprometida pela saturação dos decibéis das grandes cidades.

Por isso, utilizamos uma roupagem eletrônica nas músicas. Elas são a fusão de toda experiência do eu inconsciente, guardada na memória do espírito: são lembranças orientais, ciganas, indianas e árabes. E ibéricas! Como negar? O Sagrado teve naturalmente a influência de mestres clássicos devido à formação erudita de Marcus Viana como violinista de sinfônica; principalmente da música de Wagner, Debussy, Ravel, Stravinsky e Villa-Lobos. Existe uma forte raiz afro-ameríndia que se manifesta cada vez mais em nosso trabalho, inclusive com a inserção de músicas com textos traduzidos inteiramente para o Tupi-Guarani e dialetos indígenas como o krenak e yanomame.

Nossa proposta é uma ponte entre a música instrumental e a música vocal; assim sendo, são canções orquestradas, sinfonias cantadas, histórias contadas.

Da mesma forma que os textos, a música está ligada a uma filosofia ecológica: Ecologia da Terra, Ecologia da Mente, do Coração e do Corpo.

O Sagrado Coração da Terra é mais que um projeto; é quase que um movimento filosófico, englobando mensagens visuais, gráficas e sonoras, cujo tema básico é a regeneração do Homem e do Planeta.


POR QUE SAGRADO CORAÇÃO?

De um tema folclórico mineiro, de uma tradição religiosa muito antiga, vem o arquétipo do Sagrado Coração: um fulgurante coração em chamas envolvido em uma coroa de espinhos. O íntimo “real” do homem encarcerado pela fúria de nossos tempos. Um retrato do amor em nossa época: um coração que brilha ainda que ferido e aprisionado nas celas das megalópoles. Uma vida que nenhuma coroa de espinhos vai sufocar, um amor que opressão alguma impedirá que se alastre como uma fogueira e incendeie a fria noite de nossos tempos. Épico e Intenso!

Cantamos a alegria e o amor da tão sonhada Era de Aquário. Não enxergamos com muita clareza, naturalmente; ainda não é exatamente a manhã do sol de Aquário. Seria antes aquela hora crepuscular, entre a noite e o dia que os romanos chamavam Silencium, a hora dos mortos e dos nascimentos. É a hora do despertar.

O homem de nossos tempos desenvolveu sua parte técnica, intelectual e esqueceu-se de sua parte ética, espiritual. O que temos? O macaco-gênio o primata vestido de astronauta brincando com sofisticadas máquinas de destruição; arrasando o planeta, destruindo a própria espécie, poluindo a água, envenenando o alimento e o ar. Essa é a coroa de espinhos do coração. Não estamos preparados para as megalópoles, mas aqui estão elas. Brutalmente reais. O egoísmo é a mola desse salto no abismo, do qual participamos, apesar de gritarmos que somos inocentes. Como pois fazer música por padrões regionalistas, indiferente à tremenda pressão das transformações do Todo? E como sentir a verdadeira música se o espírito está insensibilizado pela dor e pelo ódio do cotidiano urbano?

Nosso comprometimento único é com a Arte, pura e simplesmente. E por Arte, queremos dizer Ciência, Espírito, Consciência, Compreensão. Nossa meta: a precisão em transmitir a consciência viva do universo codificada em mensagem sonora. A música age como a mais poderosa energia moderadora do sistema nervoso humano. Viver e transmitir a música torna-se mais que necessidade; é uma responsabilidade numa civilização que vive um processo vertical de auto aniquilamento. Para iniciar o processo ascencional torna-se necessário apurar os sentidos; temperar o aço da mente; forjar o espírito para que se possa receber e assimilar uma nova energia que se faz cada vez mais presente à medida que nosso mundo naufraga. Inteligência naturais, criadoras e infinitamente poderosas se manifestam nos sistemas nervosos mais avançados. A música abre um canal de saída para o oceano de harmonia e vida do universo. Esse canal não pode ser atingido por nenhuma forma de pensamento ou raciocínio, mas a intuição conhece o caminho. A Arte alimenta a intuição; ocorrendo essa sensibilização, a energia mental gradativamente circula livre pelo novos circuitos do sistema nervoso, até então desconhecidos, e que por serem parte da consciência cósmica coletiva e genética, contém informações de inteligências superiores.

O Arquétipo do Sagrado Coração assim se manifestou e viemos a entender a coroa de espinhos como o próprio processo dual da natureza. Numa visão primitiva seria o Bem e o Mal, Deus e o Diabo, o Ódio e o Amor, a Ignorância e o Conhecimento. Porém ao mergulhar mais fundo, além do apêgo às formas racionais, vimos o Tudo e o Nada; a Eletricidade e o Magnetismo, o Positivo e o Negativo, o Yang e o Ying, a Noite e o Dia, o Homem e a Mulher, o Pai, a Mãe. E no centro, o fruto do Amor das duas forças entrelaçadas do universo: o filho, a força neutra, a criação. O Coração.

Site: http://www.sonhosesons.com.br/pgsagrado.htm

Franciele e Ana Paula Rabelo

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Obra Artística - Carlim Ribeiro - Mariane

Oi povo, então aí vai mais uma postagem!
Resolvemos mostrar as diferentes concepções de arranjos nos álbuns de ZECA BALEIRO:
(Vô Imbolá & Líricas)
Espero que gostem do som!


Zeca Baleiro
Biografia


Maranhense, começou a se projetar nacionalmente quando apareceu no especial que a MTV fez de Gal Costa. Em 1997, seu primeiro disco "Por Onde Andará Stephen Fry?" chamou a atenção da crítica, que passou a defini-lo como "neotropicalista". No ano seguinte ganhou dois prêmios Sharp: melhor disco e melhor música "Bandeira", ambos na categoria pop-rock. Em 1999 se apresentou na França, para o lançamento de seu disco na Europa. O segundo CD, "Vô Imbolá", conta com participações especiais de Zeca Pagodinho, Zé Ramalho, Rita Ribeiro e outros, trazendo um repertório que mistura música brasileira folclórica, samba e ritmos eletrônicos. Lançou o álbum "Líricas" em 2000. Em parceria com Fagner, gravou em 2003 o cd “Raimundo Fagner & Zeca Baleiro”. Mostrado em curta temporada por capitais brasileiras, o show foi registrado em DVD pelo Multishow durante temporada no Canecão, Rio de Janeiro. ”Baladas do Asfalto e Outros Blues”, seu trabalho subseqüente, foi lançado em agosto de 2005. O quinto álbum solo do cantor traz várias canções inéditas de sua autoria. No mesmo ano, Baleiro recebe um convite especial. Ele foi um dos brasileiros escolhido para se apresentar durante o evento de celebração do ano do Brasil na França. Ainda em 2005, o músico decide lançar o seu próprio selo, a Saravá Discos. Entre os trabalhos lançados com a marca de Baleiro está o CD "Cruel", uma obra póstuma do cantor e compositor capixaba Sérgio Sampaio, falecido em 1994. Nele, o maranhense tem a chance de mostrar seu talento também como produtor. Em 2006, musicou poemas de amor de Hilda Hilst, falecida em 2004. O CD "Ode descontínua e remota para flauta e oboé - De Ariana para Dionísio" traz interpretações de Maria Bethânia, Ângela Maria, Zélia Duncan, Angela Ro Ro, entre outros nomes consagrados da MPB.



VÔ IMBOLÁ

Zeca Baleiro, Novos Baianos, João Bosco, Legião Urbana, Planet Hemp, Gilberto Gil, Gal Costa, Belchior, Paralamas do Sucesso, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho. São poucos, mas, significativos os casos na música brasileira popular em que o segundo disco de um artista que estreou causando boa impressão supera o primeiro. O compositor e cantor maranhese, Zeca Baleiro, com "Vô Imbolá", vem juntar-se aos nomes citados como bom exemplo de vitória sobre a tão propalada síndrome do segundo disco.

LÍRICAS

Depois de dois álbuns que apostaram na mesclagem de ritmos brasileiros com o pop eletrônico, Zeca Baleiro ressurge em aparente guinada estética. Logo na delicada canção Minha Casa, faixa de abertura de Líricas, o cantor e compositor maranhense mostra-se decidido a transportar o ouvinte para um universo poético-musical próximo ao de trovadores da folk music, como Bob Dylan e Leonard Cohen. A sonoridade acústica dominada por cordas (destaque para Tuco Marcondes, que se alterna nos violões, banjo, mandolim, dobro e guitarra portuguesa) soa perfeitamente adequada às imagens poéticas carregadas de melancolia. Intenção reforçada pela versão acústica de Proibida Pra Mim, sucesso da banda pop Charlie Brown Jr., que ganha um inusitado sentido romântico. Mas logo vem Babylon, uma canção ácida sobre as delícias do dinheiro ("vamos pra Babylon/ de tudo provar/ champagne caviar/ scotch escargot rayban bye bye miserê"), que traz de volta a conhecida verve irônica do maranhense. Ironia que também se mostra nas entrelinhas da suave Balada Para Giorgio Armani ("o medo é a moda desta triste temporada/ Giorgio/ tá tudo assim nem sei tá tão estranho/ a cor dessa estação é cinza como o céu de estanho") e ganha um tom escancarado na incisiva Você Só Pensa em Grana ("você rasga os poemas que eu te dou/ mas nunca vi você rasgar dinheiro"). E se alguém ainda tiver dúvidas sobre o caráter da conversão romântica do poeta maranhense, em Blues do Elevador ("sei rir mostrando os dentes/ e a língua afiada/ mais cortante que um velho blues/ mas hoje eu só quero chorar/ como um poeta do passado"), ele sugere que a guinada é circunstancial. Seja em ritmo de reggae, ou vestida com uma sonoridade mais folk, a poesia cortante de Zeca Baleiro continua fazendo da ironia sua lâmina mais afiada.


Então é isso! Até no máximo segunda-feira - 17/09 , as mídias estarão na CDTECA! Preciso copiá-las.

Beijos!

Carlim e Mariane

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Texto para Formação II

Esse é o segundo texto de formação que vem para o Nuestro Blog. Estávamos com a idéia de colocar "O direito à literatura" de Antônio Candido. Como não temos ele virtual e ele é enoooorme, não justifica digitarmos ele todo, sendo que já inventaram o xerox... Por isso, o texto do Candido vai pra nossa biblioteca. Não percam a oportunidade de ampliar o universo cultural prórpio, o texto é excelente!!!
Sobre o texto que está sendo postado hoje, aí vai um pequeno trecho: "A CULTURA LIBERTA. TRAZ MAIS OPÇÕES A QUEM A VIVENCIA". Achei pertinente colocar esse texto, pois mostra mais um ponto de vista a favor da nossa tão falada "Ampliação do Universo Cultural".
Cultura que transforma
Renato Janine Ribeiro

Há muitas definições de cultura, mas gosto de trabalhar com uma em especial: a cultura efetua uma transformação na vida das pessoas (ponto 1) no sentido de ampliar seu leque de escolhas e, assim, de aumentar sua liberdade (ponto 2). Isso significa que não há uma substância chamada "cultura" e portanto o que é cultura para uma pessoa, pode não o ser para outra. O importante, então, é que também não há uma acumulação de cultura, pela qual alguém se torna dono dela, ou seja, possui "mais" cultura do que outro indivíduo.
Mais ainda, e paradoxalmente, uma pessoa "culta" talvez tenha menos chances de viver a cultura do que uma pessoa inculta. Para quem freqüenta museus, cinemas, teatros, o grau de novidade de uma obra cultural, a mudança que ela lhe proporciona, pode estar perto de um grau zero. É como se estivesse esgotando sua capacidade de ampliar enfoques – enquanto uma pessoa virgem em cultura pode ter um vasto território a expandir. Daí que numa política cultural é importante visar os primeiros, os "cultos", entre os quais eu incluiria boa parte dos criadores e dos freqüentadores da cultura mais influentes na alocação de recursos. Mas o realmente crucial é privilegiar aqueles – as massas, hoi polloi, como diriam os gregos antigos e os ingleses atuais – que até agora tiveram pouco acesso às obras e podem extrair mais delas.
Esta definição de cultura pelo "efeito" que ela tem na vida das pessoas enfatiza seu caráter fortemente libertador, ao mesmo tempo em que reduz a importância de uma hierarquia das obras "em si". Na verdade, as obras valem pelo que produzem ou propiciam a seus usuários. Por isso, o cultural desempenha um papel relevante na vida social. Há um caso em particular que sempre me chama a atenção. Na Irlanda do Sul, fortemente católica, quando se deu a independência do Reino Unido, eliminou-se da vida pública qualquer referência ao homossexualismo. Disso resultou que rapazes que não gostavam de moças só podiam imaginar que tinham uma vocação sacerdotal. Disso, por sua vez, decorreu que, passado algum tempo, eles abusassem sexualmente dos meninos a quem supostamente educavam. Esse é um exemplo terrível de como as limitações culturais escravizam e infelicitam as pessoas – e, inversamente, de como uma abertura para o horizonte, a possibilidade de viajar imaginariamente para experiências que estão geograficamente longe de nós, nos emancipa.
O acesso à cultura, assim, não consiste apenas em mais pessoas visitarem museus ou assistirem a peças ou filmes. Ele significa mais pessoas terem uma experiência intensa de ampliação de perspectivas pelo contato com o que é diferente. Dançar, para um pé de pau; ver um quadro, para quem nunca apreciou o jogo das cores; ler, para quem jamais desfrutou um livro, podem ser revolucionários. A questão não é quantitativa, meramente numérica. É de um valor que se agrega, sim, mas que consiste em qualidade. E essa qualidade se resume numa palavra: maior liberdade. A cultura liberta; traz mais opções a quem a vivencia.
Por isso a cultura tem um papel-chave na vida democrática. Sem ela, o que será a democracia: apenas eleições políticas? Escolher os governantes, aprovar as leis são parte muito pequena do que é a vida democrática. Se a democracia é liberdade, quer dizer que ilumina a vida íntima, pessoal, afetiva. A cultura abre a porta de imaginários que, por sua vez, constroem novas vidas. O menino confinado entre vacas e cavalos que se descobre homossexual, o favelado que percebe seu dom para a música, estão abrindo novos rumos para si mesmos.
Aqui entram outras eleições – no sentido exato que a palavra tem e que quer dizer, simplesmente, "escolhas". Podemos escolher melhor, se formos cultos. Mas a palavra "cultos" está tão gasta que parece significar quem tem um cabedal, um estoque de informações. Não é isso. Cultura é poder de transformar. A criança que, assistindo à Flauta mágica no filme de Ingmar Bergmann, vai-se deslumbrando a cada episódio novo tem uma vivência cultural mais rica do que o melômano que sabe distinguir cada soprano que aparece e seus matizes.
Evidentemente há um espaço que é dos criadores e dos críticos. Mas não é no território deles que se dá o acesso à cultura, sua democratização, seu papel emancipador. É claro que toda organização da cultura, desde as secretarias de Estado até os patrocinadores privados, deve apoiar a criação, a novidade, a preservação. Mas estas são condições para algo que é o cerne do cultural, e que está na recepção. Uma recepção, por sinal, que não é passiva, mas se constitui numa apropriação da obra. Até os erros (como quando a personagem vivida por Melina Mercouri, em Nunca aos domingos, acha que as tragédias gregas acabam... bem) fazem parte dessa riqueza receptiva, pela qual o espectador também se torna um tanto criador.
Algumas obras notáveis se fizeram sobre esse encontro da arte com o principiante. Um filme cubano dos anos 60 mostra a primeira vez que se mostra uma película para uma aldeia que nunca viu uma antes. Godard, em Tempos de guerra, tem uma cena com um rapaz que vai olhar o que está acontecendo (acha ele!) atrás da tela. Cinema Paradiso toca no mesmo tema. Essas ingenuidades são, às vezes, engenhosidades. Elas podem contribuir com algo novo. O olhar culto pode estar viciado; precisamos, constantemente, do confronto com percepções diferentes.
Como promover então a democratização cultural? Não é apenas levando mais gente a atividades culturais. É assegurando que essas experiências ampliem seus horizontes. É descobrindo novas vocações, que podem até se converter em profissão ou se manter como hobbies, pouco importa – mas que agreguem sentido às vidas. Porque nosso tempo não suporta a monotonia e ao mesmo tempo a reproduz sem cessar. Ora, uma das poucas maneiras de sairmos da monotonia que não seja histérica (o desespero por ser célebre, o homem ou mulher que é serial lover, o consumismo sem freios, o workaholism desbragado) é pelo amor ao que se faz.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo. Autor, entre outros livros, de Ao leitor sem medo (Ed. UFMG), A sociedade contra o social (Companhia das Letras), O afeto autoritário (Ateliê) e A ética na política (Lazuli).